Histórias de Amor

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Vi o texto abaixo no blog do Marcelo Dalla. Achei muito interessante e resolvi postar aqui.

Histórias de Amor

A formiga vivia entediada, seu serviço de cortar folhas e andar sempre em fila era muito maçante. Mas um dia tudo foi diferente: a pata gigantesca de um elefante pisoteou as companheiras que marchavam mais adiante e ela escapou de ser esmagada por um triz. Fascinada pela experiência de se defrontar com animal de tamanho poder, a formiga não conseguia deixar de pensar no elefante. Nunca tinha visto aquele ser enorme tão de perto e precisava repetir a experiência, tentar se aproximar mais uma vez. Sempre que podia, disfarçava e fugia do serviço. Ficava horas no mesmo local esperando, numa louca expectativa. Dias depois avistou o animal, que se tornava maior e maior na medida em que se aproximava. A pobre formiga enlouqueceu. Delirava, num sonho quimérico de se tornar uma fortaleza ambulante. Paralisada, não conseguiu se desviar de suas patas e dessa vez morreu esmagada também. Lá se foi o elefante, sem sequer imaginar que matou a criatura que mais o idolatrava na face da Terra.

(A tirinha é de Fernando Gonsales)


Após ler o texto eu me pergunto: Por que idolatramos tanto os elefantes que nem se quer sabem que existimos e pisoteamos as formigas que nos amam?

Fonte: http://marcelodalla.blogspot.com/2009/04/historias-de-amor_29.html

Verdades que estão além da religião.

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Ultimamente tenho pensado muito em questões que costumava ignorar quando era um “evangelista”. Até que ponto as palavras de Jesus, encontradas no Evangelho segundo Mateus, tem sido praticadas?

"Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes ver-me...Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes."

São questões como essa que tem me feito expandir meus pensamentos, e chegar a conclusão de que há verdades que estão muito além de qualquer religião. Passarei a descrever, de forma pluralista, o que, para mim, são verdades axiomáticas que merecem muito mais atenção de todos nós, do que a atenção que temos dado a nossos conceitos teológicos.

É impossível começarmos uma apresentação sobre verdades que estão além da religião sem a tão famosa ‘regra de ouro’. Entende-se como regra de ouro, o conceito ético da reciprocidade. De longe, esse é um dos únicos se não o único conceito que várias religiões têm em comum. Não tenho o menor interesse em saber qual foi à primeira religião que realmente teve esse conceito como original, e se o mesmo foi apenas repetido por grandes sábios. Antes, importa saber o quanto esta regra pode influenciar nossas vidas e o mundo.

No confucionismo a regra de ouro é proveniente do conceito Jen. Segundo o sistema ético elaborado pelo sábio Confúcio, o conceito Jen abarca a idéia de humanidade, bondade, benevolência ou as qualidades do homem para com o homem. Encontramos mos Analectos o seguinte trecho:

Tzu-Kung perguntou: “Há uma única palavra que pode ser um guia de conduta ao longo da vida de uma pessoa?”. O mestre disse: “Talvez a palavra ‘Shu’. Não imponha aos outros o que você não deseja para si mesmo”. Confúcio. Os Analectos, XV, 24.

Encontramos o mesmo princípio de Confúcio nas obras Budista e Hinduísta:

Não atormentes o próximo com o que te aflige - Udana-Varga 5:18

Esta é a suma do dever: não faças aos outros aquilo que se a ti for feito, te causará dor - Mahabharata (5:15:17)

Biblicamente, podemos encontrar esse conceito implicito no livro de Leviticos, na forma de 5 mandamentos, como bem comenta o Rábi Holffmann em seu comentário “O Livro Levítico”:

1 - Não odeies o teu irmão no teu coração!
2 - Pede explicações ao teu próximo!
3 - Não te vingues!
4 - Não guardes rancor contra ele!
5 - Ama o teu próximo como a ti mesmo (Lv 19,18).

Ainda no judaísmo, podemos citar um trecho do Talmude Babilônico no qual o sábio Hillel se utiliza da regra de ouro em sua didática:

“Aconteceu um dia que um não-judeu chegou ao grande rabino Shammai e lhe disse: Faz-me prosélito (convertido [ao Judaísmo]) sob a condição de que me ensines a Toráh inteira, durante fico parado em um pé só. Esse o empurrou com o bastão que tinha na mão. A seguir veio a Hillel, e este o fez prosélito e lhe disse: O que tu não estimas [que te façam], isso também não faças ao teu próximo. Isso é toda a Tora, e todo o restante não é senão explicação: vai e a aprende!” (Talmude Babilônico, Sabbat 31ª).

Ainda em harmonia com a regra de ouro, cito o nobilíssimo Ghandi, que em seu elevado sentido de humanidade expôs ao mundo como a lei do talhão(olho por olho e dente por dente), encontrada até mesmo na bíblia, é nociva ao mundo:

“Olho por olho e o mundo terminará cego”

Com tudo que foi exposto até aqui, poderíamos com certeza deduzir que se o que a valiosa regra de outro ensina fosse praticado por todos os homens, teríamos um mundo muito melhor. Porém, os ensinos expostos até então, tratam de mandamentos negativos. Em toda sua sabedoria, Ghandi, Zoroastro, Hillel, Confúcio e tantos outros aplicaram seus ensinamentos acerca da regra de ouro, na forma de recomendar o que não devemos fazer aos nossos próximos. Por mais que o fato de deixarmos de fazer algo nocivo a alguém, já caracterize uma forma de ação, a forma de negação da regra de ouro expressa até aqui, nos faz sermos meros coadjuvantes, já que deixando de fazer algo, não poderíamos nos julgar como agentes ativos de uma transformação, tal qual o mundo necessita.

Mas temos ainda mais homem, que deu sua contribuição com relação a regra de ouro. Em seu famoso sermão da montanha encontramos o carpinteiro de Nazaré expondo sua visão acerca da regra de ouro:

“Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós, porque esta é a lei e os profetas.” Mt 7:12

Assim como os outros sábios anteriormente citados, aqui, Jesus se utilizou da regra de ouro em seus ensinamentos, porém, encontramos em suas palavras uma forma muito elevada da regra. Jesus vai além do que propõem os outros sábios. Para ele, não é apenas uma questão de que não façamos o que não queremos que nos façam. Antes, Jesus vê a necessidade de uma ação da parte do homem. Aquilo que queremos que nos façam, é justamente o que devemos fazer ao nosso próximo! Pela ótica de Jesus, nós não devemos apenas evitar fazer coisas ruins aos outros, mas antes buscar oportunidades para ativamente fazer o bem.

Temos então, com a contribuição de Jesus, um conceito magnífico que permite que sejamos agentes de uma transformação. É triste, porém, constatar que aqueles que se intitulam seus seguidores, inclusive eu, estão tão abaixo da meta estabelecida por ele.

Espero que a regra de ouro da forma ensinada por todos os grandes sábios e lideres religiosos citados, nesse texto, possa ser significativa para nossas vidas, pois sem dúvida essa é uma verdade que está muito além de qualquer religião.

Anderson L Santos Costa

Um manual de instruções para a vida.

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Nos últimos dias tenho preparado vários textos que dentro de uma ou no máximo duas semanas começarei a postar por aqui. Em meio às pesquisas que tenho feito, em outros blogs, encontrei um vídeo no blog do Alexandre Montagna que expressa de forma excelente o pensamento pluralista que tenho aprendido a apreciar.
(O video está em inglês, mas basta ativar a legenda, na seta apontando para o topo, no canto inferior esquerdo da tela do youtube)


Esse vídeo, que trata da questão do proselitismo e exclusivismo religioso, expressa como tenho pensado, e posso dizer que o mesmo é um prelúdio para os textos que serão postados por aqui nos próximos dias. Espero que possamos começar a pensar fora da caixa, que nos foi imposta com limites de pensamento. Espero, sinceramente, que possamos reconhecer que não existe um único manual, e que ninguém é detentor das formas corretas de se viver.

Anderson L. Santos Costa

Fonte: http://alexandremontagna.com/blog/arquivo/melhor-video-sobre-proselitismo-instruction-manual-for-life-espetacular/

Roubará o homem a Deus? (2ª Parte)

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Na primeira postagem sobre o dízimo, fiz uma breve exposição sobre qual a primeira ocorrência do dízimo na bíblia. Foi mostrado como as primeiras ocorrências do ato de se pagar o dízimo não passaram de questões culturais, ou de votos individuais com Deus, não podendo assim se utilizar os casos de Abraão e Jacó de forma a dar ao dízimo uma obrigatoriedade legal. Portanto, vamos então a próxima pergunta:

Quando o dízimo passou a ser obrigatório? Como era o dízimo e para que era utilizado?


Seguindo pela cronologia bíblica, notamos que a obrigatoriedade do dízimo foi instituída juntamente com a lei de Moisés. Vemos na lei que existiam no mínimo três tipos de dízimo:

Um dízimo do produto da terra para sustentar os levitas, que não tinham herança em Canaã:

“Também todas as dízimas do campo, da semente do campo, do fruto das árvores, são do SENHOR; santas são ao SENHOR. Porém, se alguém das suas dízimas resgatar alguma coisa, acrescentará a sua quinta parte sobre ela. No tocante a todas as dízimas do gado e do rebanho, tudo o que passar debaixo da vara, o dízimo será santo ao SENHOR.” Levitico 27:30-32

“Porque os dízimos dos filhos de Israel, que oferecerem ao SENHOR em oferta alçada, tenho dado por herança aos levitas; porquanto eu lhes disse: No meio dos filhos de Israel nenhuma herança terão.” Números 18:24


Um utilizado para patrocinar festas religiosas em Jerusalém. Se o produto pesasse muito para ser levado a Jerusalém, poderia ser convertido em dinheiro:

“Certamente darás os dízimos de todo o fruto da tua semente, que cada ano se recolher do campo. E, perante o SENHOR teu Deus, no lugar que escolher para ali fazer habitar o seu nome, comerás os dízimos do teu grão, do teu mosto e do teu azeite, e os primogênitos das tuas vacas e das tuas ovelhas; para que aprendas a temer ao SENHOR teu Deus todos os dias. E quando o caminho te for tão comprido que os não possas levar, por estar longe de ti o lugar que escolher o SENHOR teu Deus para ali pôr o seu nome, quando o SENHOR teu Deus te tiver abençoado; Então vende-os, e ata o dinheiro na tua mão, e vai ao lugar que escolher o SENHOR teu Deus; E aquele dinheiro darás por tudo o que deseja a tua alma, por vacas, e por ovelhas, e por vinho, e por bebida forte, e por tudo o que te pedir a tua alma; come-o ali perante o SENHOR teu Deus, e alegra-te, tu e a tua casa; Porém não desampararás o levita que está dentro das tuas portas; pois não tem parte nem herança contigo.” Deuteronômio 14:22-27

Um dízimo do produto da terra arrecadado a cada três anos para os levitas locais, órfãos, estrangeiros e viúvas:

“Ao fim de três anos tirarás todos os dízimos da tua colheita no mesmo ano, e os recolherás dentro das tuas portas; Então virá o levita (pois nem parte nem herança tem contigo), e o estrangeiro, e o órfão, e a viúva, que estão dentro das tuas portas, e comerão, e fartar-se-ão; para que o SENHOR teu Deus te abençoe em toda a obra que as tuas mãos fizerem.” Deuteronômio 14:28-29

Concordo com Frank Viola quando ele afirma que o dízimo como instituído pela lei, foi uma espécie de imposto de renda. Afinal, notamos que além do dízimo comum existia também um dízimo que era pago a cada três anos. Dessa forma os israelitas não pagavam apenas 10%, e sim 23,3% pois se fizermos uma proporção anual juntando os dízimos anuais mais os dízimos pagos a cada três anos, chegamos a 23,3% ao ano. Cito ainda Frank Viola em seu livro “Cristianismo Pagão”, no qual ele faz um claro paralelo entre os dízimos instituídos pela lei e o sistema tributário moderno:

“Pode-se traçar um claro paralelo entre o sistema do dízimo de Israel e o sistema moderno de tributação no Brasil. Israel era obrigado a sustentar seus funcionários públicos (sacerdotes), feriados (festivais), e pobres (estrangeiros, viúvas e órfãos) com seus dízimos anuais. A maioria dos modernos sistemas de tributação serve ao mesmo propósito.”

Apenas pelos textos já expostos temos também outra resposta às perguntas iniciais. O dízimo segundo a lei sempre foram alimentos! Mesmo no caso de dificuldade para se levar os dízimos até Jerusalém, o permitido era que se vendessem os mesmo, e ao chegar a Jerusalém o dinheiro fosse revertido na compra dos alimentos necessários para a festa dos dízimos.

Tendo essas primeiras parciais com relação ao dízimo, algumas perguntas já podem, e devem ser feitas a nós mesmos:

Hoje os dízimos nas igrejas são pagos em proporção de 23,3% ao ano?
Parte dos dízimos pagos são utilizados para sustentar os funcionários da igreja, sejam eles pastores, diáconos, zeladores, músicos, faxineiros, etc.?
Parte dos dízimos pagos são utilizados para patrocinar algum tipo de festa religiosa de gratidão a Deus pelos rendimentos adquiridos?
Parte dos dízimos pagos são utilizados para ajudar os pobres?

Analise a igreja na qual você paga seus dízimos, e se as quatro perguntas acima obtiveram não como resposta você já sabe que não é da bíblia que a igreja tira sua base para a prática do dízimo.

Na próxima postagem concluiremos demonstrando qual a aplicação do dízimo aos cristãos.

Anderson L. Santos Costa

Criação humana ou criação divina?

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Seriam os homens uma criação divina, ou seriam os deuses uma criação humana?

Em todas as religiões notamos que independente de suas variações os deuses possuem um desejo frenético de receber adoração de suas criações. O deus cristão é tão fissurado pelo sentimento de ser adorado, que em seu céu todos os seus escolhidos viverão somente para adorá-lo.

Vemos no deus hebreu, uma figura inclemente que não suporta ter "sua glória" dividida com ninguém. Ao ver pessoas adorando o nada(já que o mesmo afirma que somente ele é deus e os outros são obras de mãos humanas), ele não se contém e utiliza de todas as formas possíveis para matar os povos que adoram outros deuses, fazendo com que seu "povo escolhido" cometa todo tipo de chacina e execução, de bebês a anciãos das nações pagãs, que adoram outros deuses.

O deus islâmico declarou “guerra santa” a todas as nações que não o servem. Talvez esse seja o deus que comumente mais se crítica devido a sua forma autoritária de exigir adoração a si, e de querer o fim de seus inimigos. Porém, esquece-se que grande parte da culpa de tal guerra é dos “cristãos” que durante as cruzadas desejaram “converter” os muçulmanos ao cristianismo através de força e autoritarismo. Digamos que a diferença é que os seguidores de Alá praticam hoje o que os seguidores de Jesus e de Javé praticaram no passado.

Os deuses determinam que a justiça está ligada aos que os adoram. Quem não adora a seu criador é injusto, independente do que faça. Se você não adora o deus criador, suas obras, para ele, tornam-se trapos.

Estive então refletindo nos últimos dias. O desejo de ser adorado é uma característica humana ou divina?

Sabemos que não importa como, gostamos de ser elogiados, cortejados e termos nossos egos massageados. Nada é melhor do que notar que alguém nos admira, ainda que isso seja comparado ao que entendemos por adoração. Podemos ver isso no famoso personagem bíblico Daniel. Futuramente Daniel se negaria a deixar de se prostrar a Javé, reconhecendo o mesmo como seu Deus, porém quando o rei Nabucodonosor prostrou-se para adorá-lo, o mesmo não fez qualquer ressalva, recebendo assim a adoração do rei de bom agrado:

“Então o rei Nabucodonosor caiu sobre a sua face, e adorou a Daniel, e ordenou que lhe oferecessem uma oblação e perfumes suaves.” Daniel 2:46

Não vejo esse fato como motivo para considerar Daniel como injusto, ou como adorador de deuses estranhos. Antes percebo como o desejo de ser adorado, ainda que errado, é uma característica humana.

Os grandes lideres, sejam militares, religiosos ou políticos possuem tremenda sede pelo poder justamente pelo desejo de se sentirem como deuses, que são aclamados e adorados por todos os que os admiram. Vemos o profeta Ezequiel reprimindo esse desejo no príncipe de Tiro:

“Filho do homem, dize ao príncipe de Tiro: Assim diz o Senhor DEUS: Porquanto o teu coração se elevou e disseste: Eu sou Deus, sobre a cadeira de Deus me assento no meio dos mares; e não passas de homem, e não és Deus, ainda que estimas o teu coração como se fora o coração de Deus;” Ezequiel 28:2

Portanto duas possibilidades habitam meus pensamentos:

Se o desejo de ser adorado é uma herança que o homem recebeu de seu criador, então o homem que deseja ser tratado como deus, sendo adorado e servido, não está pecando, mas sim sendo igual a seu criador.

Ou então,

Se o desejo de ser adorado é uma característica do egoísmo humano, os deuses, incluindo o cristão, possuem centralizados em seu ser uma característica humana, e isso é um enorme indício de que John Shelby Spong está correto ao afirmar que “a definição teística de Deus é criação humana”.

Portanto, seriam os homens uma criação divina ou seriam os deuses uma criação humana?

Essa é uma pergunta que assombra a muitos, mas que desejo começar a tratar. Afinal, não se pode fazer theóslogia sem tratar das questões que envolvem o caráter do Deus que conhecemos.

Anderson L. Santos Costa

Roubará o homem a Deus?

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Qual cristão não conhece as palavras acima não é? Durante alguns anos de minha infância o versículo que traz esta frase foi um dos que eu mais escutava durante os cultos de uma certa denominação que frequentei quando criança. É claro que ele vinha acompanhado com a promessa da benção como vemos nos versículos seguintes
"Trazei todos os dízimos a casa do tesouro, para que nela haja mantimento, e provai-me nisto, diz o Senhor dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas dos céus e derramar bênçãos sem medidas".

Eu não sou muito bom para decorar versículos. Costumo ter os textos em minha cabeça por inteiro, pois é a forma que os visualizo. Então, para mim é algo maravilhoso decorar três versículos, pois acreditem, transcrevi esses três versículos, do terceiro capítulo do livro do profeta Malaquias, de cabeça! Mas ao mesmo tempo em que é maravilhoso se torna nauseante imaginar que praticamente o único texto que decorei, é um dos textos que supostamente apóiam a idéia de que o dízimo possui uma obrigatoriedade legal para Deus, e que nos permite barganhar com o Altíssimo.

Passaremos então a discutir sobre um dos grandes ídolos do cristianismo. O dízimo! As questões abaixo serão respondidas em 4 postagens, de forma que possamos ter uma melhor compreensão sobre o dízimo em relação as doutrinas cristãs.

Qual a primeira ocorrência do dízimo na bíblia?
Quando o dízimo passou a ser obrigatório?
Como era o dízimo? Para que era utilizado?
Quem estava autorizado a recebê-lo?
É o dízimo uma obrigatoriedade ao cristão?
Como o cristianismo deve encarar o dízimo?
Após termos todas estas perguntas respondidas, poderemos fazer uma interpretação muito mais sincera de Malaquias 3:8-10. Comecemos então.

Qual a primeira ocorrência do dízimo na bíblia?
Encontramos a primeira referência bíblica sobre o dízimo em Genesis 14:18-20:

“Melquisedeque, rei de Salém, trouxe pão e vinho; era sacerdote do Deus Altíssimo; abençoou ele a Abrão e disse: Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo, que possui os céus e a terra; e bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou os teus adversários nas tuas mãos. E de tudo lhe deu Abrão o dízimo.”

O contexto precedente deste texto se trata de uma batalha histórica entre 8 grandes reinos, tendo sido os mesmos divididos em 2 grupos de quatro reis: Anrafel, rei de Sinar, Arioque, rei de Elasar, Quedorlaomer, rei de Elão, e Tidal, rei de Goim batalharam contra Bera, rei de Sodoma, Birsa, rei de Gomorra, Sinabe, rei de Admá, Semeber, rei de Zeboim, e contra o rei de Bela. Como veremos nos versículos de 12 a 14, Ló o sobrinho de Abraão foi feito prisioneiro de guerra, sendo esse o motivo que levou Abraão a participar do combate.

“Apossaram-se também de Ló, filho do irmão de Abrão, que morava em Sodoma, e dos seus bens e partiram. Porém veio um, que escapara, e o contou a Abrão, o hebreu; este habitava junto dos carvalhais de Manre, o amorreu, irmão de Escol e de Aner, os quais eram aliados de Abrão. Ouvindo Abrão que seu sobrinho estava preso, fez sair trezentos e dezoito homens dos mais capazes, nascidos em sua casa, e os perseguiu até Dã.”

Abraão então consegue resgatar Ló e seus bens, e retorna:

“E, repartidos contra eles de noite, ele e os seus homens, feriu-os e os perseguiu até Hobá, que fica à esquerda de Damasco. Trouxe de novo todos os bens, e também a Ló, seu sobrinho, os bens dele, e ainda as mulheres, e o povo. Após voltar Abrão de ferir a Quedorlaomer e aos reis que estavam com ele, saiu-lhe ao encontro o rei de Sodoma no vale de Savé, que é o vale do Rei” 15-17

Chegamos então ao texto no qual Abraão dá o dízimo de tudo a Melquisedeque. Pelo contexto que precedeu os versículos 18-20 claramente entendemos que o dízimo de tudo, dado por Abraão, se referia aos despojos de guerra. Abraão deu o dízimo do que foi conquistado na guerra, não segundo uma ordem divina, e sim segundo a tradição cultural da região em que vivia. Podemos entender melhor isso pelos versículo seguintes:

“Então, disse o rei de Sodoma a Abrão: Dá-me as pessoas, e os bens ficarão contigo. Mas Abrão lhe respondeu: Levanto a mão ao SENHOR, o Deus Altíssimo, o que possui os céus e a terra, e juro que nada tomarei de tudo o que te pertence, nem um fio, nem uma correia de sandália, para que não digas: Eu enriqueci a Abrão;” 21-23
O Ph.D. Russell Earl Kelly, em seu livro “Tem a Igreja a Obrigação de Ensinar a Dizimar?”, esclarece que o versículo 21 trata-se de uma tradição Árabe pagã, na qual os despojos de guerra, deveriam ser repartidos ficando as pessoas conquistadas com o Rei, e os bens conquistados com aquele que os conquistara. Abraão não querendo ficar com nada que fora conquistado na guerra, dá então os 90% que sobraram dos despojos da guerra para o rei de Sodoma.
Do exemplo de Abraão então, nada podemos tirar, pois vemos que o mesmo apenas estava seguindo a tradições culturais de sua época, e não cumprindo mandamentos de Deus. Do contrário teríamos que pensar que, se Abraão dizimou segundo ordem divina, então devemos dar 10% para Deus e os outros 90% para algum rei pagão!
A outra referência sobre o dízimo que encontraremos antes da lei, é com relação ao voto feito por Jacó:
“Fez também Jacó um voto, dizendo: Se Deus for comigo, e me guardar nesta jornada que empreendo, e me der pão para comer e roupa que me vista, de maneira que eu volte em paz para a casa de meu pai, então, o SENHOR será o meu Deus; e a pedra, que erigi por coluna, será a Casa de Deus; e, de tudo quanto me concederes, certamente eu te darei o dízimo.” Genesis 28:20-22
Jacó está aqui, de livre vontade, fazendo um voto com Deus. Sem lei, sem obrigação, sem tradição. Apenas clamando a provisão divina, e prometendo ser fiel, retribuindo a Deus caso o mesmo o abençoe.
São essas então as duas primeiras e únicas referências ao dízimo antes da Lei. Por elas podemos constatar que o dízimo não era uma obrigatoriedade. Foram dois casos esporádicos, sendo 1 por tradição regional, e o outro como um voto particular feito com Deus.
No próximo texto veremos quando o dízimo passou a ser obrigatório para o povo de Israel, como ele era e para que era utilizado!

Anderson L. Santos Costa

A culpa é de quem?

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Nos últimos dias tenho escutado, com certa freqüência, frases do tipo: “foi feito obra de macumbaria na vida dele”, “o inimigo o fez cair”, “você está mexendo com o inferno e o diabo se levantou contra ele por que você não está na igreja”...

Oh Deus, como tem sido provado meu domínio próprio para não dar respostas carnais, pra não dizer chulas, para as pessoas que me importunam com esses jargões manjados dos “soldados” da batalha espiritual.

Tudo isso tem ocorrido pelo fato de uma pessoa que estou ajudando a algum tempo. Se trata de um ex-dependente químico, que após 7 meses longe das drogas teve uma recaída. De pronto foi “revelado” a ele que ele caiu por obra de macumbaria, enquanto outros disseram que foi o próprio coisa ruim que fez com que ele viesse a usar drogas novamente. Porém nenhuma declaração tem mais importância para mim do que a dele mesmo: “Eu fui fraco, troquei Deus pela droga com muita facilidade. Deus estava comigo mas eu quis fazer as coisas do meu jeito, e por isso caí!”

Esse é um tipo de declaração que não ouvimos da boca dos soldados cristãos, que vivem em pé de guerra com o diabo, buscando em Deus mais um general de guerra, do que um Pai misericordioso. Para os que defendem a teologia da “Batalha Espiritual” foi o diabo quem fez meu amigo cair, e mesmo que ele tenha pecado o pecado nasceu no diabo, afinal “o diabo veio para matar roubar e destruir”, dizem os batalhadores!

Por coincidência esta semana mesmo eu vi a tirinha abaixo, que, pra mim, possui uma riqueza de verdade que nem mesmo os maiores pregadores da atualidade têm transmitido a suas “ovelhas”.

Constantemente as pessoas têm procurado alguém para culpar. O relato bíblico do Édem mostra como isso é algo que acompanha o homem desde os primórdios. Na história do primeiro pecado cometido pelos seres humano, Adão culpou Eva que culpou a serpente que não tendo a quem culpar terminou como a maior culpada do pecado, segundo a maioria dos cristãos tem interpretado. É importante notar nesse relato que encontramos em Gn 3, que Deus culpou a cada um dos 3 personagens envolvidos por seus próprios erros. Adão não foi aliviado pelo erro de Eva que não foi aliviada pelo erro da serpente. E o mais incrível é que, de certa forma, Adão tenta jogar a culpa para Deus, quando diz “Senhor a mulher que me deste como companheira, ela me deste do fruto e eu comi”. É como se ele dissesse: “essa mulher ai que o Senhor me deu que me fez pecar, então a culpa é sua Deus!”...srssrsr
Essa idéia transmite exatamente a idéia que a tirinha transmite. A forma como o ser humano é incapaz de assumir suas próprias falhas!

No AT vemos que tudo que ocorria, tanto de bom quanto de mal, era atribuído a Deus. O Deus, segundo a revelação judaica, era criador tanto da paz quanto da guerra, tanto do bem quanto do mal. Como vimos no estudo “O ladrão veio para matar roubar e destruir. E o Diabo?”, após a influência religiosa dos persas a idéia de um ser pessoal e mal fez com que os Israelitas encontrassem um novo culpado. Agora Deus fazia o mal através de um ser mal. O opositor de Israel: “Satan”

No NT com uma maior ênfase na figura de Satanás vemos por diversas vezes seus autores atribuindo a Satanás um caráter de quem tenta o homem, tentando seduzi-lo para dessa forma ser capaz de acusá-lo perante Deus. Porém em meio a todo contexto mítico no qual se desenvolvem os relatos e as exortações do NT, me arrisco a ser contraditório com o que já postei por aqui. Encontramos uma declaração na carta de Tiago que parece ser a essências dos ensinamentos de Jesus, sobre o homem e o pecado:

“Ninguém, sendo tentado, diga: De Deus sou tentado; porque Deus não pode ser tentado pelo mal, e a ninguém tenta. Mas cada um é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência. Depois, havendo a concupiscência concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, sendo consumado, gera a morte.” Tiago 1:13-15

Segundo Tiago, o pecado nasce inicialmente no próprio homem. Claramente entendemos que é do próprio homem que flui a tentação para pecar e que cedendo a essa tentação o homem se faz pecador. A partir desse momento, sem dúvida, se o diabo tem a oportunidade de acusar, ele o faz! Podemos entender até com mais clareza o que diz Tiago quando nos lembramos das palavras de Jesus aos fariseus, em um contexto que se discutia sobre a necessidade de se lavar as mãos antes de comer, que era uma das prescrições da lei, oral, judaica:

“Porque do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias.” Mateus 15:19

No pensamento Judeu, quando se fala em coração a alusão é a mente, ou seja, onde se alojam os pensamentos humanos. Dessa forma, entendemos que tanto Jesus quanto Tiago, ensinam que é do próprio homem que provém a natureza má e carnal, sendo próprio do homem pecar, mesmo sem a interferência de um opositor maléfico. Quem lê Romanos 7, de forma alguma pode querer transferir a culpa por seus pecados para o Diabo e muito menos para Deus. Antes reconhece como possui uma natureza que luta contra os bons princípios.

O pecado que nasce em nós apenas facilita o papel do acusador, permitindo a ele ter algo contra nós. Dessa forma já passou da hora de abandonar estas idéias medievais e esse desejo desenfreado por viver uma vida no mundo espiritual, e nos concentrarmos mais em nossas vidas, para vivermos como verdadeiros filhos de Deus. O mundo precisa de mais homens como Davi, que perante seu pecado reconheçam: “Contra ti pequei Senhor, contra ti somente”...

Deixem Deus ser Deus, e o diabo ser o diabo. Como diria Jeremias:

“De que se queixa, pois, o homem vivente? Queixe-se cada um dos seus pecados.” Lamentações 3:39

E enquanto isso, meu amigo está se recuperando. Ele já constatou quais foram seus erros, e juntos temos pedido para que Deus o ajude a consertar o que foi feito de errado.

Anderson L. Santos Costa

Você tem fé? Pois eu tenho dúvidas!

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Outro dia estava lendo um texto do Prof. Dr. Osvaldo Luiz Ribeiro intitulado “Eu creio na dúvida” e diria que eu concordei com ele em numero e grau. O Dr. Osvaldo faz um exercício que nos leva a repensar por que o princípio da teologia é a fé, sendo que se a teologia se trata de uma reflexão humana sobre Deus ela deveria começar pela dúvida tendo a fé como o fim da mesma. Cito um trecho do texto do Prof. para que sua idéia seja mais clara:

“Ora, se Teologia é mesmo reflexão humana – e o é, toda ela – por que devem os seus amantes começarem pelo fim? Não seria mais aconselhável começarmos pelo começo? E o começo não seria, então, justamente pressupor, sim, que o final pode estar equivocado? Então lá vai o teólogo às línguas originais, para ver se as traduções se salvam, se os comentários têm jeito, essas coisas; depois, à História da Teologia, para ver as mãos e os pés que por ali estiveram, os compromissos que assumiram, os pressupostos que esconderam, o que viram, o que não viram, não quiseram ver. Lá vai ainda o teólogo às ferramentas de leitura e de pesquisa, de reflexão e de juízo, um mundo de competências, difíceis todas, impossíveis, agora, para uma vida, mesmo com Internet, e por isso mesmo...”

Lendo esse texto eu me lembrei da “fase” que tenho passado no último ano, e de como tudo que ele escreveu é uma verdade para mim. Lembro-me que, há muito, tenho tentado compreender as palavras de João:

“Conhecereis a verdade e ela vos libertará”

Mas que verdade? O evangelista João dizia que Jesus era a verdade. Inclusive, ele se utilizou do termo grego "logos", muito utilizado por Heráclito e outros filósofos do século IV a.c como a expressão do conhecimento superior e determinante do mundo, para se referir a Jesus, o logos de Deus. Mas quem conhece realmente o tal Jesus? É feito tanta teologia sobre o simples homem de Nazaré, que é cada vez mais difícil ter certeza de quem ele realmente foi, e de quais eram suas intenções para seus seguidores e a comunidade que desejou iniciar. Este tem sido o meu princípio de dores...na verdade, o princípio das dúvidas...

Quem foi Jesus? O que ele realmente ensinou? O que ele realmente sonhou para o mundo?

Estas foram às questões que me levaram ao “estado” em que estou hoje. Eu tinha as respostas para essas perguntas na ponta da língua, mas nenhuma delas me satisfazia. Nunca fui de aceitar com facilidade as ideias que já vinham prontas e empacotadas, apenas a espera de que eu as "engolisse".Talvez essa seja uma característica que herdei de minha infância, já que sendo criado sem a companhia de um irmão, e por pais sem muita instrução com relação aos estudos, sempre tive recursos limitados para fazer o dever de casa, aprendendo desde cedo, a ser 'autodidata'. A conseqüência disso foi que quando decidi fazer parte de uma denominação cristã, não me senti a vontade para apenas ouvir o que me diziam, mas eu desejei também beber da mesma fonte que os lideres bebiam. Assim, passei a ler muita coisa, de comentários bíblicos a livros de mitologia grega. Não sei até que ponto isso foi proveitoso para mim, mas o que tenho certeza é que a fé, ou as duvidas que tenho hoje devem-se a isso.

Desde então, quanto mais leio e estudo maiores as respostas prontas e maiores ainda as dúvidas por eu não aceitar tais respostas. Tal como Ricardo Gondim, também acho uma grande insinceridade da parte de muitos cristãos afirmarem que não possuem dúvidas sobre Deus, ou sobre o próprio cristianismo, mas que antes crêem em tudo sem titubear. A dúvida é motivo de grande temor entre os defensores da teologia reformada que proclamam a salvação através da fé. Afinal, pensam eles, segundo a teologia paulina, como podem ser salvos aqueles que têm dúvidas sobre sua fé?

Mas me pergunto como é possível que tais pessoas sejam tão crédulas quando temos o relato de que até mesmo João Batista, aquele que vendo Jesus anunciou sem medo que aquele era “o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”, um tempo depois, na prisão, teve dúvidas e enviou seus seguidores para perguntarem ao mestre:

“És tu aquele que havia de vir, ou esperamos outro?” Lucas 7:20b

Penso que minhas dúvidas não são motivo de temor. O fato de não ter todas as respostas sobre Deus, ou melhor, de não ter praticamente nenhuma resposta, não significa que eu esteja me afastando dEle. Antes, as dúvidas apenas aumentam meu desejo de conhecer o Altíssimo, e demonstram como sou limitado perante tamanho mistério que é o conhecimento do divino. Contestar as doutrinas da trindade, da inspiração bíblica, da salvação pela fé, dos sacramentos e muitas outras, pode ser considerado como o princípio de pensamentos hereges, mas quem garante que a teologia que já temos não é fruto de heresias primitivas? Afinal, não consigo deixar de fazer um paralelo paradoxal. Como pode o mundo estar caminhando de mal a pior ao mesmo tempo em que supostamente o “conhecimento de Deus” tem aumentado, já que tem aumentado o número de cristãos? Será mesmo que o cristianismo detém restritamente a conhecimento de Deus? Será que o cristianismo tem vivido de acordo com o que prega?

É essa a forma que tenho pensado ultimamente, e são esses os pensamentos que estão me levando pela estrada da revisão teológica do cristianismo. Arrisco-me a ser mais um dos chamados “hereges”, por contestar a “sã doutrina da graça”, mas isso não me importa, pois sei que muitos compartilham desses pensamentos comigo, apenas não estão prontos para encarar as conseqüências que os mesmo possam trazer.

Quem lê o que escrevo já percebeu que desde o primeiro texto desse blog, tenho tentado rever doutrinas aceitas dogmaticamente á séculos, de forma que a maior parte dos cristãos não conheciam outra visão sobre os assuntos tratados, a não ser a forma que já fora ensinada antes. De agora em diante as questões se aprofundaram, pois navegarei por águas que poucos tem se arriscado a navegar abertamente, pelo temor das represálias cristãs. Como deixei claro desde o começo, a intenção de fazer theóslogia não é a de atacar ninguém, e sim de rever pensamentos que talvez estejam errados, de forma que nosso objetivo seja sempre uma aproximação de Deus, procurando saber quem Ele é, e como tem se revelado ao homem. Creio que para isso a dúvida se faz imprescindível, pois uma fé cega e temerosa de se desviar de um caminho que nem conhece, não pode ser tão sincera quanto proclama a dogmática!

Reconhecendo a grande dificuldade do caminho que trilharei faço uma paráfrase de Shakespeare:

“há mais mistérios entre Deus e os homens, do que sonha nossa vã teologia”.

Anderson L. Santos Costa

Teologia de um deus sádico!

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Lendo o texto que transcrevo abaixo, me dei conta que por muito tempo tenho crido em um deus sádico, e que talvez esse seja o momento de rever mais um conceito teológico.

Espiritualidade masoquista, teologia sádica.
Ricardo Gondim.


Para Simone Weil quando o sofrimento atinge níveis próximos do desespero, ele se chama de “infortúnio". Para ela, o infortúnio acontece quando a dor chega, ao mesmo tempo, em três dimensões essenciais da vida: a física, a psicológica e a social.

As dores isoladas não deixam vestígios. A dor física provocada por um dente infeccionado, por exemplo, desaparece, instantaneamente, quando o dente é extraído.

A teóloga alemã, Dorothee Sölle, afirma que nem mesmo a dor puramente psíquica alcança a dimensão do infortúnio, já que “o espírito, que por natureza foge do infortúnio com a mesma imediatidade e o mesmo ímpeto irresistível com que um animal foge da morte, sempre dispõe de suficientes meios de derivação”.

Existem pessoas que sofrem o infortúnio porque estão feridas, simultaneamente, no plano físico, mental e social; estão abatidas porque, junto com a dor corporal, esvai-se também a auto-estima e junto com a baixa estima brotam sentimentos (reais ou imaginários, não importa) de “descenso social”, que solapam a esperança.

O que os religiosos chamam de inferno é o mesmo que a filosofia de Simone Weil considera como infortúnio: a soma do medo de ser proscrito da comunidade, mais o horror de ver-se como um estrangeiro em sua própria cidade, mais as seqüelas da dor física, mais a culpa sem conserto, mais a impotência diante dos processos gigantescos de opressão.

A principal característica do infortúnio é a escravidão, “o desenraizamento da vida, algo que, numa forma mais ou menos atenuada, é equiparável à morte, algo presente na alma de forma inelutável à guisa de agressão ou ameaça direta da dor corporal”.

Uma mulher espancada pelo marido e que convive num ambiente religioso e social que não permite o divórcio, sofre para além da dor; ela está escravizada ao “infortúnio”; vive um inferno. O mesmo inferno do índio tuberculoso quando tosse sangue e é segregado do restante da tribo; ou do iraquiano que depois de enterrar o filho, precisa voltar para os escombros de seu lar; ou do camponês que trabalha na lavoura da cana até a fadiga mortal.

Muito do que já se escreveu como teologia, não passa do esforço monumental de responder ou lidar com o infortúnio. Para Dorothee Sölle, as várias tentativas de responder aos horrores do sofrimento acabaram produzindo, simultaneamente, “masoquismo religioso” e “teologia sádica”.

“Masoquismo religioso” deve ser compreendido como resultado do esforço da teologia de oferecer argumentos que auxiliariam as pessoas em seus infortúnios. E um desses argumentos vem como uma chamada para que se encare a dor como uma pedagogia.

No masoquismo religioso as pessoas são ensinadas a conviverem com um Deus que abate, faz sofrer, permite agonias atrozes, mas, sempre para ensinar alguma coisa. Deus investe no crescimento dos seres humanos e um de seus métodos é fazer padecer.

Então, o objetivo de uma verdadeira espiritualidade seria a aceitação ou resignação aos planos (nem sempre revelados) de Deus para a vida. Sölle menciona em seu livro, “Sofrimento” (Editora Vozes), os argumentos de um pequeno dicionário teológico sobre a responsabilidade do homem [e da mulher] diante do sofrimento:

“Aceitar sem restrições a situação que se abate sobre ele, acolhe-la e integrá-la criativamente e transforma-la (ativo enquanto sofre e sofrendo ativamente) num momento de sua realização própria (o que ver a ser o o posto de um passivo deixar-acontecer), de modo que nele se decida por Deus... Nesse sentido o sofrimento se configura como ‘querido por Deus"’.


Para Sölle, o masoquismo religioso ensina que “o sofrimento está aí para que seja quebrado o nosso orgulho, evidenciada a nossa dependência". Assim entendido, o sofrimento teria como efeito reconduzir-nos a um Deus cuja excelsitude se manifesta na medida de nossa pequenez”.

Infelizmente tal masoquismo se tornou prevalecente na cristandade ocidental; seu propósito aparentemente nobre é convencer as pessoas de que os infortúnios incontornáveis da existência fazem parte de um plano maior, são elos ou engrenagens de um sistema que visa nosso bem eterno. “Assim sendo todo sofrimento é considerado uma provação por Deus enviada, a que devemos submeter-nos”.

Quem aprender a submeter-se passivamente diante das adversidades mais implacáveis, consegue, dentro dessa maneira de pensar, maior consagração. Como o sofrimento significa também punição, as tribulação devem ser compreendidas como castigo divino, conseqüência de pecados antigos, inclusive, do pecado original, cometido por Adão e Eva.

Tal masoquismo tenta, portanto, responder aos infortúnios quando insiste que Deus faz adoecer porque ama, e que mata quando precisa cumprir qualquer propósito. Nesse pressuposto foi possível afirmar que Deus chegou a criar homens [e mulheres] maus para usá-los em “trabalhos sujos” - citam-se o endurecimento do coração de Faraó e a doutrina da dupla predestinação, uns criados para o céu e outros para o fogo eterno.

Essa noção leva a outro extremo: o sadismo teológico. Diante das ambigüidades humanas, diante do recrudescimento constante do mal, não é difícil ensinar as pessoas a se submeterem a uma suposta “pedagogia divina”. Ora, o mal não desaparece, não dá tréguas. O caminho aparentemente mais fácil para lidar com as dores universais seria, então, aprender a confiar que, de alguma maneira, tanta dor sirva para algum propósito – mesmo desconhecido.

Mas para substanciar esse aprendizado torna-se necessário erigir uma concepção de Deus como “agente causal do sofrimento”:

“O Deus propiciador e agente causal do sofrimento converte-se em tema transfigurado da teologia, a qual incapaz de um ardor próprio, dirige o olhar para o Deus atormentador e exigente do impossível. Mal se pode duvidar de que a Reforma tenha reforçado os acentos sádicos da teologia. A experiência existencial assim como fora configurada na mística de um Deus que se posiciona ao lado dos sofredores é substituída por uma sistemática teologia relacionada com o juízo final” .


Por isso, quando confrontado com situação paradoxais como a prosperidade dos ímpios e os infortúnios dos fiéis, Calvino ofereceu uma resposta dramática: "O Senhor engorda os porcos para o abate”; referindo-se obviamente ao juízo final".

Sölle considera que na concepção calvinista do sofrimento há um esforço para preservar a sagrada majestade de Deus às custas da desvalorização da humanidade, sempre retratada de forma monstruosa. Acontece que existe uma incoerência interna no argumento. Se Deus criou todas as coisas e as predestinou para que fossem da maneira que são, ele não poderia se irar contra a perversidade, pois ela fez parte de seu planejamento eterno.

Mas para defender essa percepção, epidemias, guerras e outras angústias são aceitas como castigos que vingam a glória divina, punem os pecados e "educam" os salvos. O sofrimento é, assim, um castigo de Deus que tem propósito. Calvino afirmou: ‘Os povos que vens castigar; os homens foram golpeados por tuas varas através da doença, da prisão e da pobreza, devem ter pecado.

Uma das tarefas da teologia, entretanto, deveria ser a de esvaziar precisamente tais concepções. Deus não justifica a miséria e a injustiça que condena bilhões à degradação sub-humana; os imperialismos e colonialismos alienantes não fizeram parte do projeto criador de Deus e não são dentes das engrenagens escatológicas.

A dor humana é um acinte ao seu propósito de que todos "tenham vida com abundância"; a injustiça será sempre um horror que move Deus a conclamar os profetas a mostrarem sua indignação; as chacinas e os holocaustos são excrescências provocadas pela maldade dos corações humanos e Deus jamais planejou que fossem assim. “Há dores que ultrapassam infinitamente toda forma de culpa. É demasia para todos”.

É mister que se recupere o legado místico da espiritualidade cristã, que não prioriza um teísmo vingador e não aceita o “deus da pedagogia escondida”. Nas tradições espirituais cristãs místicas. Deus é compassivo com o sofrimento e com as contingências, muitas vezes, dolorosas e perversas da história. O clamor dos injustiçados, o sofrimento dos escravizados e as angústias dos marginalizados sobem até os seus ouvidos e provocam sua ira. O sofrimento do mundo magoa o seu coração.

Se houve alguma necessidade de sacrifício para que a maldade não passasse impune, Deus infligiu a si mesmo – “o castigo que nos traz a paz estava sobre ele”. Se o derramamento de sangue era imprescindível para que se satisfizesse a justiça, "o Senhor, tal como uma ovelha que segue para o matadouro", entregou-se pelo mundo.

Deus não é sádico. Ninguém precisa aprender a lidar com os infortúnios com masoquismo. Há esperança!

Soli Deo Gloria.

 

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