Vivendo sem Deus

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Lembrei-me de uma reflexão que tive quando assisti o filme “Deus É Brasileiro", e farei uma exposição da mesma, aqui.

Para quem não assistiu o filme, o mesmo se trata de uma estória na qual Deus vem a terra com o intuito de encontrar um substituto para ele, a fim de que o Todo-Poderoso possa tirar férias. Esse substituto já foi escolhido e Deus apenas está a procura do mesmo, pois por ser um homem muito nobre ele está constantemente mudando sua localização devido a suas atividades humanitárias.

O que me levou a reflexão e que, para mim, é o clímax do filme foi o momento do encontro entre Deus e seu escolhido. Ao contrário do esperado, o escolhido rejeita o seu chamado e por um motivo no mínimo curioso: Ele é ateu!

Em meio a gargalhadas minha mente começou a raciocinar. Comecei a me perguntar sobre a lição que aquela simples cena me trazia.

É necessária uma crença religiosa para que o homem tenha uma conduta reta? Deve o homem orientar sua vida e seus princípios por uma consciência de estar sendo "monitorado" por um Deus inclemente e que está pronto para recompensá-lo com vida eterna, caso pratique o que é justo, ou sofrimento eterno, caso pratique a injustiça? Minha resposta pessoal é não.

É muito difícil para mim, que tive formação cristã, crer que existe algum tipo de bondade inerente ao homem. Afinal, fui ensinado que o homem é de natureza má e que só quer fazer o mal, sendo incapaz de buscar fazer o bem (Rm 3:12). Porém, mesmo recebendo estes ensinos eu sempre pensei que Deus não é motivo para que eu faça o que é certo. Como dizia, nas aulas bíblicas de domingo, meu amigo Pr. Paulo “ninguém precisa ser crente para fazer o que é certo, pois tanto crentes quanto incrédulos sabem o que é certo e o que é errado”. É interessante pensar que de certa forma a própria bíblia não discorda dessa idéia. Vemos Paulo de Tarso defendendo a idéia de que independente da fé em Deus, cada ser humana possui uma lei interna que o instrui sobre o que é certo e o que é errado:

“Porque, quando os gentios, que não têm lei, fazem naturalmente as coisas que são da lei, não tendo eles lei, para si mesmos são lei; Os quais mostram a obra da lei escrita em seus corações, testificando juntamente a sua consciência, e os seus pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os” Rm 2:14-15

Não sigo a mesma linha de pensamento de Paulo, pois ao contrário do apóstolo de Cristo minha atenção está na vida terrena e não em um possível julgamento futuro. Com a idéia de que a consciência sobre o que é certo e o que é errado se faz presente na natureza humana, eu penso que não apenas é possível como também é necessário que o homem busque praticar o que é bom não para tentar agradar a algum tipo de divindade e sim como contribuição a paz e o desenvolvimento da humanidade. A necessidade de pessoas boas e solidárias no mundo deve ser o motivo para as obras filantrópicas e não o desejo de obtenção de um galardão em uma futura vida celestial.

De certa forma compreendo as palavras de John Hick em seu livro “O Mal e o Deus do Amor”:

“O mundo deve ser para os homens, pelo menos até certo ponto, etsi deus non daretur, “como se Deus não existisse”.”

John Hick trabalha com a idéia de que o mal existente no mundo é prova de que Deus está presente no mundo, porém se faz ausente. Para John, a vida humana deve ser vivida como se não houvesse um Deus cuidando do mundo, e dessa forma o mal deve ser entendido como causa/conseqüência dos atos humanos, não tendo responsabilidade divina. Ele trabalha com a idéia de que para dar liberdade ao homem Deus precisa mantê-lo afastado. Para complementar seu pensamento, cito a continuação do mesmo texto:

“Ele precisa ser cognoscível, mas apenas por um modo de conhecimento que implique uma resposta livre da parte do homem, consistindo essa resposta em uma atividade interpretativa não-compelida através da qual experimentamos o mundo como realidade que media a presença divina”.

A idéia de John H. é muito interessante, e possui certa relatividade com o que pensava o teólogo luterano Dietrich Bonhoeffer:

“Nossa maioridade nos conduz a um verdadeiro reconhecimento de nossa situação diante de Deus. Deus quer que saibamos que devemos viver como quem administra sua vida sem ele. O Deus que está conosco é aquele que deserta de nós. O Deus que nos permite viver no mundo sem a hipótese funcional de Deus é aquele diante do qual permanecemos continuamente. Diante de Deus e com Deus, vivemos sem ele.”

Assim como John Hick, Dietrich Bonhoeffer nos diz que devemos viver crédulos da existência de Deus, porém como se ele não existisse. Dietrich entende que Deus não pode nos ajudar nesse mundo, e justamente por isso é necessária uma forma de viver como se Deus não existisse. O motivo para fazer o que é bom não é o intuito de agradar a Deus e obter alguma recompensa do mesmo, pois, para Dietrich, Deus não pode fazer nada por nós nesse mundo.

Dessa forma, Deus não deve ser o motivo para que tenhamos uma conduta reta. Nem medo de punição nem desejo de retribuição devem servir de combustível para as boas ações. Não acho tão nobres as boas ações que são motivadas por medo de um sofrimento eterno ou com o intuito de obter retribuição divina. Acredito que é muito mais nobre aquele que pratica o que é bom simplesmente por saber que isso é o melhor para ele e para todos.

Concluo minha reflexão crendo que existe bondade sem crença em Deus. Creio na existência de Deus, mas procuro tomar minhas decisões fora da lógica agrada/desagrada Deus. Portanto vivo, na presença de Deus, sem Deus.

Anderson L.

Fontes utilizadas:
O Mal E O Deus Do Amor - John Hick
Um Novo Cristianismo Para Um Novo Mundo - John Shelby Spong

1 Comentário:

José Junior disse...

Amigão...te indiquei para o selo "Grandes pensadores da blogosfera"

dá uma passada no blog...

Abraço !!

 

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