Roubará o homem a Deus? (3ª Parte)

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Estive pensando se retomaria o assunto do dízimo para concluí-lo. Eu sinceramente não o faria, porém, nos últimos dias conheci pessoas que me deram certo incentivo. Wellington e Clécio, amigos cristãos que me incentivaram a continuar com minhas buscas, independente do fato de que nossas crenças seguem por linhas diferentes. É por esse motivo que concluirei essa postagem, de forma que os cristãos possam ter uma nova visão com relação ao tão recente dogma do dízimo.

Nas duas primeiras postagens foi exposto que:

-As primeiras ocorrências do dízimo na bíblia, os casos de Abraão e Jacó, foram situações esporádicas, seguindo tradições culturais ou votos particulares com Deus;
-A obrigatoriedade do pagamento de dízimos foi promulgada no ato da concessão da lei aos Israelitas;
-Os dízimos eram alimentos, utilizados para o sustento dos levitas, o sustento de festas religiosas e a ajuda aos pobres, viúvas e estrangeiros;

Dessa forma, veremos agora se o dízimo é uma obrigatoriedade ao cristão, e se não o for, como o cristão deve encarar o dízimo.

Sendo o dízimo uma obrigatoriedade apenas através da instituição da lei mosaica, para responder a pergunta da obrigatoriedade do mesmo para os cristãos é necessário primeiro compreender que a lei mosaica foi um pacto instituído entre YHWH e os Israelitas. Apesar do correto pensamento cristão de que muito do que é encontrado na lei mosaica é útil como ensinamento ético e moral para toda a humanidade, é inegável o fato de que todos os 613 preceitos encontrados na lei mosaica são destinados a como a comunidade de Israel deveria viver.

Acredito que chega a ser redundância apresentar versículos como forma de comprovar que a lei foi estabelecida entre Israel e YHWH, pois nos próprios textos citados na 2ª parte deste estudo, já era claro o fato de que tantos os que receberam a ordem de pagar os dízimos quanto os que os recebiam eram integrantes da comunidade judaica, não havendo qualquer menção da obrigatoriedade da lei para os outros povos. Porém veremos alguns casos.

Podemos tentar encontrar, na lei mosaica, algum mandamento que não seja destinado aos Israelitas, porém no máximo veremos referência a estrangeiros e servos. Encontramos em êxodo 22:21 um exemplo:

“O estrangeiro não afligirás, nem o oprimirás; pois estrangeiros fostes na terra do Egito.”

É claro que, segundo os relatos bíblicos, são os Israelitas que foram estrangeiros na terra do Egito. Podemos encontrar a mesma recomendação em êxodo 23:9:

“Também não oprimirás o estrangeiro; pois vós conheceis o coração do estrangeiro, pois fostes estrangeiros na terra do Egito”

Outro exemplo pode ser visto com relação ao mandamento da guarda do sábado:

“Guardarão, pois, o sábado os filhos de Israel, celebrando-o nas suas gerações por aliança perpétua.” Êxodo 31:16
“Porque te lembrarás que foste servo na terra do Egito, e que o SENHOR teu Deus te tirou dali com mão forte e braço estendido; por isso o SENHOR teu Deus te ordenou que guardasses o dia de sábado” Deuteronômio 5:15

É importante saber que O termo וגרך (V'gerkhá), encontrado em Êxodo 20:10, significa ‘E teu convertido’, tendo sido traduzido como "nem o estrangeiro".

Temos então nesses casos, a explicita referência de que os preceitos contidos na lei mosaica são aplicados a vida do povo Israelita, o qual foi tirado do Egito por YHWH e possui um pacto eterno com o mesmo.

Portanto, se a lei é um estatuto perpetuo entre Israel e YHWH qual participação tem os cristãos com o dízimo? Nenhuma! O cristianismo não possui levitas (tribo de Levi) que precisem ser sustentados, não participa da festa do dízimo, pois reconhece que a mesma se trata de comemoração judaica, não paga o dízimo na proporção de 23,3% de sua renda ao ano e poucas são as igrejas que utilizam seus dízimos como auxílio aos pobres e necessitados.

Então, se o dízimo não é obrigatório como fica o texto de Malaquias que abriu essa discussão, é o que veremos agora.

“Roubará o homem a Deus? Todavia vós me roubais, e dizeis: Em que te roubamos? Nos dízimos e nas ofertas.” Malaquias 3:8

Agora que temos uma visão mais clara acerca de quem era obrigado a pagar o dízimo, poderíamos deduzir que no versículo citado acima se alguém estava roubando a Deus era um Israelita, pois somente eles tinham e tem a obrigação de cumprir os preceitos de sua aliança. Porém, há outros pontos no livro de Malaquias que precisam ser atentados para que tenhamos uma melhor compreensão do texto.

Primeiramente, notemos para quem é destinado o livro de Malaquias:

“O filho honra o pai, e o servo o seu senhor; se eu sou pai, onde está a minha honra? E, se eu sou senhor, onde está o meu temor? diz o SENHOR dos Exércitos a vós, ó sacerdotes, que desprezais o meu nome. E vós dizeis: Em que nós temos desprezado o teu nome?” Ml 1:6

“Agora, ó sacerdotes, para vós outros é este mandamento. Se o não ouvirdes e se não propuserdes no vosso coração dar honra ao meu nome, diz o SENHOR dos Exércitos, enviarei sobre vós a maldição e amaldiçoarei as vossas bênçãos; já as tenho amaldiçoado, porque vós não propondes isso no coração.” Ml 2:1-2

“Assentar-se-á como derretedor e purificador de prata; purificará os filhos de Levi e os refinará como ouro e como prata; eles trarão ao SENHOR justas ofertas.” Ml 3:3

O sacerdócio pertencia a tribo de Levi. Portanto o texto acima esclarece o fato de que para IHWH são os sacerdotes que precisam ser purificados.

Portanto, temos a evidência de que o livro de Malaquias é destinado aos sacerdotes. Prosseguindo na leitura de Malaquias 3 encontraremos o que motivou as exortações encontradas no livro:

“Chegar-me-ei a vós outros para juízo; serei testemunha veloz contra os feiticeiros, e contra os adúlteros, e contra os que juram falsamente, e contra os que defraudam o salário do jornaleiro, e oprimem a viúva e o órfão, e torcem o direito do estrangeiro, e não me temem, diz o SENHOR dos Exércitos” Ml 3:5

Como vimos anteriormente os dízimos pagos pelos Israelitas além do sustento do Levita e das festas religiosas eram utilizados justamente para ajudar a viúva, o órfão e o estrangeiro, citados no texto acima. Com isso entendemos o “roubo” que tem sido realizado contra YHWH. Os sacerdotes portanto, são aqueles que estão roubando a Deus, pois, provavelmente estão se aproveitando dos dízimos e das ofertas alçadas para seu benefício próprio, deixando de lado os outros beneficiados(viúvas, pobres e estrangeiros). Dessa forma, como sempre foi no tratamento de YHWH com Israel, o pecado dos lideres leva a maldição de toda a nação:

“Com maldição sois amaldiçoados, porque a mim me roubais, vós, a nação toda.” Ml3:9

Assim chegamos ao famigerado versículo 10, no qual encontramos a ordem do pagamento dos dízimos:

“Trazei todos os dízimos à casa do Tesouro, para que haja mantimento na minha casa; e provai-me nisto, diz o SENHOR dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu e não derramar sobre vós bênção sem medida. Por vossa causa, repreenderei o devorador, para que não vos consuma o fruto da terra; a vossa vide no campo não será estéril, diz o SENHOR dos Exércitos. Todas as nações vos chamarão felizes, porque vós sereis uma terra deleitosa, diz o SENHOR dos Exércitos” Ml 3:10-11

Com o que foi exposto até aqui sabemos que o significado do texto é:

‘Tragam seus dízimos ao meu templo, de forma que os sacerdotes ofereçam os sacrifícios e os levitas, as viúvas, os pobres e os estrangeiros sejam assistidos em suas necessidades. E provem-me, se eu não fizer com que haja chuva suficiente para que sua terra seja abençoada e dê muitos frutos, de forma que todas as nações reconheçam sua felicidade e vejam como sua terra é frutífera”

Então, temos que o texto mais utilizado como prova de obrigatoriedade do dizimar, a custo de o que não o fizer ser considerado um “ladrão”, trata-se na verdade de um texto direcionado a liderança fraudulenta de Israel.

Temos ainda o testemunho dos primeiros 200 anos da igreja cristã apresentado no livro “Tem a Igreja a Obrigação de Ensinar a Dizimar?", escrito pelo Ph. D. Russel Earl Kelly:

“Clemente de Roma (c95), Justino, o Mártir (c150), Irineu (c150-200) e Tertuliano (c150-200), todos se opunham ao dízimo por ser estritamente uma tradição judaica. O Didaquê (c150-200) sancionava aos apóstolos itinerantes que ficavam mais de três dias e depois pediam dinheiro. Os viajantes que decidiam se combinar com eles viam-se obrigados de aprender um ofício”

Se as colocações expostas até aqui são dignas de aceitação, o cristianismo deve ver o dízimo de forma muito diferente do que tem visto. Penso que a contribuição dos membros para o sustento de uma comunidade cristã é algo correto, porém o mesmo não pode ser feito de forma obrigatória, com ameaças de punição divina. As contribuições podem ser em forma de dízimo, sem problemas, desde que se tenha a conciência de que é apenas uma contribuição e não uma ordem divina.

Cabe a cada cristão optar por ser um dizimista ou não, mas aos que leram os estudos expostos nesse blog, já não há motivos para pagar dízimos por medo de estar desobedecendo a uma ordem de Deus, pois, como foi exposto, se há uma obrigação de ser dizimista essa mesma existe somente aos judeus. Se você deseja ser dizimista não por medo ou obrigação, mas por acreditar nas obras praticadas por sua comunidade e por ter o desejo de contribuir com a mesma, creio que as recomendações do Pr. Ricardo Gondim são muito boas:

“Faça essa simples auditoria antes de investir o seu suor em qualquer igreja ou ministério:
Quanto tempo é gasto no culto para pedir dinheiro?A hora do ofertório vem acompanhada de uma linguagem com “maldição, gafanhoto ou licença legal para ataques do diabo”?Prometem-se “prosperidade, colheita abundante, bênção, riqueza”, para os que forem fiéis?Existe alguma suspeita na administração dos recursos arrecadados? – Lembre-se que há dois níveis de integridade: o ético e o contábil. Não basta manter os livros em ordem; o dinheiro também só pode ser gasto no que foi arrecadado.”

Roubará o homem a Deus? Não, não roubará, mas dando seu dinheiro em mãos erradas o homem também não está contribuindo com a ajuda aos necessitados.

Anderson L. Santos Costa

1 Comentário:

Anônimo disse...

Já li vários artigos sobre o $anto Dizimo, mas este realmente é o mais esclarecedor. Muito bem observado que o dizímo era para víuvas, órfãos e não era todo ano, era somente alimento.
Já ouvi pastor dizer que era alimento porque não existia dinheiro, mas isso é desmintido em DT 14:22 ao 29 onde está claro que o dizímo era para o "Ofertante" comer perante o Senhor para aprender a teme-lo e se o lugar fosse longe, era para vender $$$$ pegar o dinheiro ir ao lugar de ofertar e ali comprar alimento e bebida e comer e beber perante o Senhor e cada 03 anos dar o dizímo (do ano corretente) para sustentar ps levitas e viuvas e órfãos podem comprovar isso lendo DT 14:22 ao 29



Dt.14
22 Certamente darás os dízimos de todo o produto da tua semente que cada ano se recolher do campo.
23 E, perante o Senhor teu Deus, no lugar que escolher para ali fazer habitar o seu nome, comerás os dízimos do teu grão, do teu mosto e do teu azeite, e os primogênitos das tuas vacas e das tuas ovelhas; para que aprendas a temer ao Senhor teu Deus por todos os dias.
24 Mas se o caminho te for tão comprido que não possas levar os dízimos, por estar longe de ti o lugar que Senhor teu Deus escolher para ali por o seu nome, quando o Senhor teu Deus te tiver abençoado;
25 então vende-os, ata o dinheiro na tua mão e vai ao lugar que o Senhor teu Deus escolher.
26 E aquele dinheiro darás por tudo o que desejares, por bois, por ovelhas, por vinho, por bebida forte, e por tudo o que te pedir a tua alma; comerás ali perante o Senhor teu Deus, e te regozijarás, tu e a tua casa.
27 Mas não desampararás o levita que está dentro das tuas portas, pois não tem parte nem herança contigo.
28 Ao fim de cada terceiro ano levarás todos os dízimos da tua colheita do mesmo ano, e os depositarás dentro das tuas portas.
29 Então virá o levita (pois nem parte nem herança tem contigo), o peregrino, o órfão, e a viúva, que estão dentro das tuas portas, e comerão, e fartar-se-ão; para que o Senhor teu Deus te abençoe em toda obra que as tuas mãos fizerem.

 

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